👩‍🦰 - aos poucos, me permitindo ser eu mesma
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Como eu já comentei aqui anteriormente, minha adolescência foi quase toda na base do bullying. Isso me fez retrair: não ter vontade de passar nada no rosto, de me esconder em moletom e calça comprida. Por que chamar atenção para algo que era motivo da minha insegurança e de piadas? Enquanto todas as meninas começavam a passar um gloss, usar acessórios, eu continuava a mesma. Não me permitia fazer a mesma coisa.

Isso se estendeu durante muitos anos, ao ponto das pessoas acharem que simplesmente sou assim. Não é que não gosto de maquiagem, não é que não gosto de roupas de um determinado estilo, não é que não gosto de passar um cheirinho que me agrada, é que simplesmente eu não podia. Todas as minhas roupas minha mãe que escolhia, porque ela sabia que eu aceitaria qualquer coisa. Quando ela tentava me dar um batom ou um estojinho de maquiagem, eu nunca usava. Até hoje, 90% das minhas roupas de sair foi minha mãe que escolheu. É claro que ela escolhia mais o que agradava a ela do que me agradava (afinal, o que seria me agradar se eu não conseguia mostrar de fato o que eu gosto?). Ela sempre achou que nunca gostei de saias ou vestidos, mas na verdade eu amo vestidos. Saia nem tanto, mas vestidos? Queria tanto ter uma coleção!

Mesmo com a superação do bullying, ainda tinha um outro ponto: o julgamento. Esse é um problema que ainda trato em terapia, inclusive. O ambiente em que vivo é de muito julgamento. Quando comecei a ganhar meu dinheirinho, aos poucos aquela adolescente que não pôde vir à tona começou a dar oi. Quando eu via uma roupa diferente na internet, a vontade de comprar vinha, afinal, agora eu não precisava mais pedir (e tudo que eu pedia deveria ser justificado) e podia simplesmente comprar. Mas e a coragem de usar?

Aos poucos, eu comecei a me permitir a ser eu mesma. Comecei com um hidratante labial com corzinha. No início, tinha vergonha de usar. Apesar de ser uma corzinha bem natural, seria nítido que passei algo. Logo imaginei que minha mãe viria dizer que comecei a passar para agradar alguém ou chamar a atenção de homens (porque ela me respeita muito, graças a deus). Mas aos poucos me permiti. Em pouco tempo, comprei outro com uma cor mais forte e um gloss. Foi meu primeiro gloss que usei de verdade. De lá pra cá não vivo mais sem uma corzinha na boca.

Um dia, essa minha adolescente interior também começou a reclamar das roupas. Elas não me favoreciam, não me representavam. Do nada, entrei no site da Renner e montei um carrinho com umas peças que considerei "coringas". Ainda não tinha conseguido comprar um vestido pra usar por aí, parecia um passo muito grande, mas comprei meus primeiros croppeds. Minha mãe julgou, é claro: como assim cropped? você nunca usou nada disso. Mas ainda não era o suficiente. Eu queria algo que fosse ainda mais a minha cara atual (afinal, eu não tenho mais 15 anos, não dá pra viver só de short jeans e cropped). Com o dinheiro contado, montei meu primeiro look básico, mas que significava muito pra mim, e comprei.

Apesar de não gostar de gastar dinheiro com roupa (não entendo o porque um pedaço de tecido cortado ou um simples sapato custa tão caro), minha meta passou a ser: sem pressa, quero que todo meu guarda-roupa passe a ser meu. Ele ainda representa muito da minha mãe, e isso inclui também os cheiros. Ela gosta muito daquela fragrância Lily, e acabei usando durante um tempo também, mas uma hora eu cansei, sabe? Queria algo mais meu, e com isso também comprei meus primeiros body splashes.

Mas não é só de roupa que se vive uma jovem que não conseguiu viver, mas também de momentos. No caso, sair de casa. Eu sempre achei que eu seria baladeira, que toda sexta à noite iria até uma pista de dança ao som de Summer Eletrohits. Realidade: nunca nem saí sozinha de casa por puro entretenimento. Sempre foi estranho pedir dinheiro para sair de casa (e também toda a questão da insegurança era o que mais pesava), e mesmo quando comecei a ter o meu ainda não conseguia. Minha mãe me prendia muito em casa. Pra mudar isso, coloquei como meta sair pelo menos 2 vezes por mês, uma delas pelo menos sozinha. Ainda não consegui cumprir muito bem essa meta, mas já estou com planos de ir ao cinema sozinha pela primeira vez. 

De maneira resumida: eu vivo numa bolha dupla. A primeira camada dessa bolha eu mesma criei para me defender e a segunda camada foi minha mãe que criou em mim, querendo me proteger de todos os perigos desse universo. Mas viver assim é sufocante, uma hora a gente precisa furar essa bolha, mesmo que seja difícil, mesmo que tenhamos medo. Com um passinho de cada vez eu ainda luto para sair dessa bolha, pra que eu seja a Lia de verdade, e não a Lia moldada pelos medos da minha mãe e inseguranças que me fizeram ter.

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